sábado, 5 de janeiro de 2013

O espetáculo não tem que continuar (pra terminar de vez)


Caímos perfeitamente nas garras do espetáculo.  Estudamos anos a fio as mazelas do capital, nos especializamos em especificidades: uns entendem perfeitamente a economia, outros a política , a sociedade.  Há quem ainda se arrisque no campo das artes, outros são mestres na boemia inspiradora. Organizamos-nos conforme o que consideramos prioritário: mulheres lutam contra o machismo e o patriarcado, há quem lute legitimamente por terra e habitação, outros por melhores condições financeiras para todos. Há quem batalhe por pão, por igualdade racial, por direitos mais humanos, pela adoção de animais.
A mesma fragmentação do inimigo é reproduzida com maestria e suprema organização. Tudo em ordem, e o progresso intelectual dos processos dos coletivos, que dentre tantas facetas, utilizam-se de tecnologia e burocracias várias para fazer valer seus teoremas. Mais e mais adeptos chegam, agregando cérebros e braços em lutas separatistas, manifestos isolados uns dos outros, como se a urgência de cada caso fosse mais urgente, como se o problema de gênero fosse mais grave que o de classe, por exemplo, e vice e versa.
Nossa relação com o tempo do capital é extremamente estúpida. Nossas relações pessoais nem mais burguesas são, são  absolutistas e aristocráticas. Tornamos-nos o espelho cheio de toxina botulínica e agrotóxicos do que pretendíamos combater.
Espaços são ocupados com a prerrogativa de serem devolutivas da produção – compreenda-se o fazer de tais coletivos sendo considerado PRODUÇÂO, outro absurdo de nossos tempos militantes do fetiche – de pensamento e de pseudo ações para o povo, chamado carinhosamente de comunidade – outro adendo , não dá pra resistir, como se houvesse mesmo possibilidade de uma unidade comum com tanta fragmentação racionalmente escolhida por todos e todas nós toda hora!
Que tempo é esse que nos impomos regras fascistas crentes de estarmos combatendo o sistema? Que arrogância é essa que nos permite julgar quem está ao lado como um desertor, um traidor da classe que luta? Que medo é esse de estar no erro, de ter de acertar tudo, que necessidade infantil é essa de ter de seguir o manual de instrução de Marx e companhia pra fazer valer de fato a revolução?
O espiral está enferrujado faz tempo nas bandas daqui. A pirâmide já virou quadrilátero,  com uma antena parabólica gigante, e cada um de nós protagoniza um interminável Big Brother  chato e sem perspectiva de final milionário e global para todos.
Não que seja agradável tamanho pessimismo, se é que é possível mesmo julgar dessa forma uma constatação tão evidente. Que vá as favas qualquer juízo de valor, qualquer moral. Talvez um gesto mais radicalizado seja mesmo necessário para quebrar um pouco essa formalidade que nos atravessa e nos invade a cada encontro cheio de pautas e pausas, cheio de ironias e sapos engolidos.
Repito ainda mais, com um certo cansaço e um dedinho de descaso até, já que a necessidade de shows consecutivos de pura retórica serão profeticamente repetidos e repetidos, permissivamente por quem diz não quero-los mais, mas quando estes vem, são sempre acatados com até certa admiração... Incompreensível às vezes a mesma passividade, os mesmos personagens assumem a voz e a vez, dando ao capital novas formas travestidas de transformação.
Voltando: não que isso seja pessimismo. Há que se reconhecer onde estamos para unir o que ainda há pra ser unido e de fato caminharmos juntos para algo que seja de fato transformador para todas e todos.  Uma nova relação com o tempo, com o fazer das coisas. Um não veemente as burocracias de toda ordem.  Reinventar a lógica pra que esta não tenha traços reproduzidos do que se quer combater a todo e qualquer custo.
Há que se abrir mão e talvez bolso e ego e vaidade para que novos tempos venham, sem concessões absurdas que privilegiem poucos escolhidos pelo Pai capitalista em detrimento de tantos a deriva. Repito o devaneio de caminhar junto. Reavivo a chama da fraternidade. Igualdade de ação, embora na diversidade de pensamento, sentimento e sensação.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O espetáculo não tem que continuar (parte I)

Em tempos de massacre espetacular, tempos de hegemonias novas que surgem com rótulos de revolução, tempos de pseudo fazedores de arte com mais discurso do que prática, tempos de uma maioria que paga a conta de poucos, tempos nossos de luta pelo pão, pelo amor e pela liberdade, falar em revolucionar pode traduzir uma utopia vã unicamente ou expressar o verdadeiro desejo de transformação.
É o tal copo meio cheio ou meio vazio. Tudo é uma questão de perspectiva, ou de sede mesmo. E calma. Muita calma. Calma esta que não está necessariamente ligada a apatia. Calma que vem do pensar e escolher como agir. Calma que conduz o pensamento à pratica e não a intermináveis reflexões vazias e anestésicas que terminam num ou noutro bar, num ou noutro aplauso ou copo vazio.
Sem braveza e com bravura, trilhar um caminhar que seja junto. Nem atrás e nem a frente. Ao lado. Lado a lado de fato no suor, no sorriso e na labuta. Com o povo e para o povo, sem dedos apontando horizontes que sequer fazem parte de fato do dia a dia.
Hoje, coletivos se formam e se estabelcem. Por escolha ou falta dela, os iguais se encontram e buscam de alguma forma, quebrar com padroes pre estabelecidos pela hegemonia. há no entanto, um inegavel embrutecimento de relações. Burocratizam-se sentimentos, empedram-se necessidades humanas como a ternura, a compreensao, o tal do ombro amigo em troca de punhos sempre cerrados, nao importa pra quem, em troca de reconhecer em qualquer um que diga o contrário do pressuposto da vez como inimigo mortal e cruel e servidor do sistema que se combate. Trava-se uma guerra com quem há pouco trocava-se um abraço sincero.
Qual é a medida do fazer revolucionário? Há concessão possivel e passivel de aceitação ? É mais revolucionário quem se embrutece? Menos aquele que vende sua força de trabalho por luxo e lixo?
E assim o espetáculo continua. Com rótulos de não capitalismo, de não isso e não aquilo. Com caras e bocas gritando, punhos cerrados e corações fechados. Coletivos hierarquizados por relações burocráticas, histórias descontruidas por incompreensão e cabeças completamente bitoladas em teorias lindas e bem fundamentadas que nunca sairão do papel.
A realidade que nos impõe o capital, sistema, que seja, já é dura e cruel e não será essa geração que verá a efetiva transformação ocorrer. Que isso não nos petrifique ou nos torne os reacionários mais nojentos da história, mas ao mesmo tempo, não temos o direito de nos nomear ou deixar que o façam, vangardas de nada. Façamos o que tiver de ser feito, com amor e afeto no peito suficientes para que a força de transformação de fato tenha espaço e direção certa.
Resgatar talvez uma acestralidade não muito distante, em que homens e mulheres de fato transformaram algo: a politica , a cultura... Talvez livros, peças, músicas que de fato nos trazem até hoje referencias de algo efetivo, algo que nos traz sabores de revolução. E pensar que nessa época recente nas terras tupiniquins, havia ainda afeto possível. Havia olho no olho, abraço sincero.
Não há revolução solitária. Não há transformação de uma parcela da classe oprimida. Não ocorrerá nada de realmente radical que seja fragmentado. De partes é feito o espetáculo. De fragmento em fragmento é formada esta sociedade desigual. A mulher, o negro, o artista periférico, o trabalhador estão no mesmo barco de opressão e prisão. Barco este que tem de remar junto, tem de vencer a tormenta capitalista pra que a terra prometida não seja mera utopia e sim conquista unificada de todas e todos.

Ainda há tanto por dizer. Por hoje penso assim.